"Pequenos Gestos" de Iria Alexandra Cardoso | Apontamentos da Alma

Olá, Sussurradores!

O prometido é devido e aqui fica um pequeno conto para celebrar o dia de S. Valentim.

Psst! Espero que tenham uma grande noite com o/a vosso/a mais que tudo. E, para os solteiros, fica aqui uma pequena esperança para vos fazer sonhar com algo melhor.

Imagem retirada do Pinterest

Título: "Pequenos Gestos" de Iria Alexandra Cardoso

Existe beleza em conhecer alguém.

Existe esperança, existe ansiedade, nervosismo, medo… Existem borboletas no estômago.

A Margarida aconteceu numa aventura por esse mundo fora, na ânsia de conhecer este planeta extraordinário. Em conhecer-se a si própria.

Era tudo o que ela queria depois da infelicidade com que a sua vida tinha sido amaldiçoada nos últimos meses.

Ser acusada de não ser melhor do que deveria ser, de não ser boa namorada. Ela apenas queria esquecer, queria desaparecer. Queria fugir. Queria dar descanso de si própria.

Até que disse basta!

Fez uma mala e fez-se à aventura.

Começou pela Europa, chegou à Ásia. Conheceu várias cidades e as suas culturas, foi à boleia, voluntariou-se em diversos projectos, trabalhou no que podia. E documentou tudo em fotografias, publicando no seu blog as suas peripécias. E num caderno os seus pensamentos mais profundos.

Um ano depois, Nova Iorque.

Mal ela sabia que ao percorrer as ruas movimentadas da grande cidade, iria ajudar alguém. Alguém especial para uma outra pessoa que a observara a fazê-lo.

A jovem mulher não queria ser reconhecida pelo feito, apenas fizera aquilo que achara correcto, aquilo que a haviam ensinado desde criança.

Todavia, pequenos gestos vão muito longe. E transformam dias.

Horas mais tarde, quando Margarida estava a desfrutar de um chá num dos muitos pequenos recantos da grande cidade, um homem aproximou-se.

Os dedos dela pararam de escrever no portátil quando se sentiu observada e o olhar esverdeado voltou-se para cima, fitando o homem alto com uma expressão cuidadosa.

Numa rápida avaliação, a jovem mulher reparou nos óculos de sol puxados para trás, deixando olhos azuis fitá-la, roupas casuais debaixo de um casaco minimamente espesso para o tempo invernal de Fevereiro.

- Posso ajudá-lo? – Perguntou no seu melhor inglês.

O homem sorriu, transformando o seu olhar azul escuro em algo mais claro e cintilante. E algo naquele sorriso fez o coração de Margarida palpitar levemente, algo que não acontecia há dois anos. Era um sorriso tão suave e ao mesmo tempo tão radiante que algo despertou no seu coração.

- Posso sentar-me? – Ao contrário dela, o homem era claramente americano e possuía um tom de voz baixo e arrastado.

- Eu não o conheço.

O homem deu mais um passo em frente de forma lenta e quase cuidadosa, como se não a quisesse assustar.

- Estou aqui em representação de alguém que ajudou há poucas horas.

Margarida corou levemente, baixando o olhar, relembrando o incidente.

- Fiz apenas o que achei correcto. – Ela encerrou o portátil e guardou-o, pronta a desaparecer na rua se o desconhecido se tornasse incómodo.

O homem achou que aquele seria o mais perto de um sim que tiraria dela e sentou-se em frente a Margarida sem desviar o seu olhar azul do dela.

Numa outra rápida avaliação, ela reparou que ele era tão alto que os joelhos de ambos quase se tocaram debaixo da mesa e remexeu-se na cadeira para se afastar do seu toque.

Curioso, o desconhecido inclinou a cabeça ao reparar naquele gesto.

- O meu nome é James e apenas queria agradecer-lhe em nome do meu tio. – O tom de voz dele soou baixo e uma pequena ruga surgiu entre as suas sobrancelhas ao relembrar que sem a ajuda da desconhecida o seu tio podia ter-se magoado seriamente. Reparou que o olhar esverdeado da mulher brilhou levemente ao assentir.

- Margarida. – Disse ela apesar de soar estranho numa língua diferente. – O seu tio já me agradeceu. Não foi nada de mais. Ele caiu no passeio e apenas o ajudei a colocar-se em pé. As ruas estão bastante escorregadias.

- E vai ficar pior. Dão neve para os próximos dias. – James comentou, bebericando o seu café.

- Nova Iorque com neve. Quem diria que eu teria tanta sorte? – Margarida deixou escapar as palavras com um sorriso suave e um olhar sonhador que se deslocou para a janela a seu lado. Nunca pensara que teria essa sorte dado o sol radioso que estivera nos três dias em que se encontrava na cidade.

O desconhecido sorriu perante a expressão dela. Mas antes que pudesse dizer algo mais, ela interrompeu-o.

- Mas como me encontrou? Foi horas atrás.

- Eu vivo aqui perto e vim buscar o meu café antes de ir para casa. Além de ter visto o que aconteceu e daí tê-la reconhecido, o meu tio ficou muito triste por ter desaparecido tão depressa. Como um anjo caído do céu. – O olhar azul intenso de James observou-a por um segundo antes de ela baixar o dela com um leve rubor nas maçãs do rosto.

- Não foi nada de mais. E não tem de me agradecer…

- Já vi que não é daqui. – Desta vez foi ele a interrompê-la.

- Não, mas não sei o que…

- Deixe-me convidá-la para jantar. – Disse ele, suavemente, colocando uma mão sobre o peito. – É o meu agradecimento pessoal.

- Não precisa…

- Eu insisto. – Um brilho suave surgiu no olhar azul.

Margarida não acreditava no que ouvia.

- Como é que eu sei que não é um assassino? – Ela inclinou-se para a frente, sussurrando de forma irónica.

O riso do estranho ecoou nos ouvidos dela e ela não queria acreditar no que aquele som agitou dentro de si. Divertida, ela ergueu uma sobrancelha enquanto esperava que James se recompusesse.

O desconhecido inclinou-se para a frente, sorriso transformado em algo maroto.

- Estava a escrever, por isso deve ser escritora…

- Não…

- Deixe-me terminar. – Erguendo uma mão como que a travá-la, James pousou-a logo de seguida ao lado da caneca dela.

Margarida notou no quão compridos os dedos dele eram e por um momento pensou em como seria tocar neles. Pareciam tão suaves.

- Escritora ou não, está a viver uma aventura, a sua mala parece que passou por muito, por isso deve estar a viajar… Seja qual for a razão. Deixe-me ajudá-la. – A voz arrastada retirou-a dos seus pensamentos. O sorriso do estranho continuou a crescer para algo agora mais atrevido quando a viu morder o lábio.

Enquanto as palavras do desconhecido soavam nos seus ouvidos, Margarida encostou-se à cadeira e, de braços cruzados, observava o estranho homem.

Quem diria que algo tão banal como ajudar alguém na rua, algo que ela faria no seu próprio país, transformaria o seu dia? O seu cérebro estava a entrar em sobrecarga com a quantidade de repercussões que o dizer Sim ou Não àquele desconhecido lhe traria.

O Sim poderia trazer-lhe um outro tipo de aventura. Ele parecia ser de Nova Iorque por isso poderia mostrar-lhe a cultura da cidade, das pessoas, onde comer melhor, onde ver a melhor arte. Talvez até ajudar a remendar o seu coração. Não! Ela não queria pensar nessa questão. Não com um desconhecido. Um desconhecido que tinha olhos azuis prontos a afundar quem se aproximasse, que tinha um sorriso acriançado mas que prometia muito mais. E aquele riso…

O Não poderia trazer-lhe uma descoberta pela cidade sozinha, perguntar a estranhos onde ficava isto ou aquilo. Ficar sozinha. Não ter ninguém com quem conversar sobre a cultura sobre a qual queria escrever no seu blog.

Margarida inspirou fundo, considerando a oferta, considerando o desconhecido. Sem saber no quão divertido ele se encontrava por observar as expressões no seu rosto ao considerar as suas hipóteses.

- Está bem. Mas aviso já… Possuo spray pimenta e não tenho medo de o usar.

James fitou-a por um momento, considerando a expressão séria da jovem mulher, mas também o brilho brincalhão no seu olhar. Oferecendo-lhe um sorriso enquanto mordiscava o lábio, considerou as suas próximas palavras.



Os dias seguintes passaram num instante.

Desconhecidos transformaram-se em amigos.

Amigos transformaram-se em amantes.

Amantes transformaram-se em algo mais.

Ficaram a saber que eram mais parecidos do que à primeira vista deveriam ser e dois corações despedaçados foram remendados.

Fizeram pazes com os seus passados e deixaram-se levar através do desconhecido e do medo que é abrir de novo o coração ao amor.
                                             
                                                                                Fim!

Feliz dia de S. Valentim! 💘

Um beijinho,

Iria Alexandra Cardoso.

Ps: Músicas que me acompanharam enquanto escrevia:

The Script - Flares

30 Seconds to Mars - Dangerous Night

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