"Pequenos Gestos II" de Iria Alexandra Cardoso | Apontamentos da Alma

Olá, Sussurradores!

Hoje decidi fazer um post diferente para o blog dado que é o seu centésimo primeiro!

Decidi, a pedido de vários leitores, pegar no conto de S. Valentim, postado no início do ano, e desenvolver um bocadinho a história de Margarida e James.

Fica aqui o link para a primeira parte, para quem quiser ler ou reler o texto - Pequenos Gestos.


Título: "Pequenos Gestos - Nova York" de Iria Alexandra Cardoso

O primeiro mês tinha sido uma aventura.

Margarida visitara os mais variados locais em Nova York com a ajuda de James, entre o Central Park, Ilha da Liberdade, Times Square, Chinatown e alguns dos recantos engraçados de uma das cidades mais populosas do mundo, ela escrevera, tirara fotos e deixara-se levar pela cidade que nunca dorme.

E, fora no Museu Americano de História Natural que ela ficara a saber que ele gostava de cinema, de ler e de boa música. E de comer, levando-a a pequenos restaurantes com os mais variados pratos.

A sua vida também revolveu à volta de Oscar, tio de James. Da primeira vez que o vira após o que lhe acontecera, Margarida compreendera a forma e o porquê do agradecimento de James. Apesar de não parecer, Oscar era um homem idoso, com as suas fragilidades, mas com um espírito rebelde e daí o seu passeio quase fatídico. No almoço para o qual ele a tinha convidado, vira a maneira como James o tratara com cuidado e paciência, o que era divertido, pois o tio tinha prazer em fazer o contrário do que o sobrinho lhe dizia.

Ali, soubera que os pais de James tinham morrido muito cedo e que Oscar o tinha acolhido juntamente com a sua falecida mulher. Notava-se o orgulho do homem ao falar dele e dos seus feitos na empresa de marketing digital para a qual James trabalhava, para além do trabalho de voluntariado que fazia na casa de repouso onde Oscar por vezes ficava, o que fizera com que James enrubescesse ligeiramente e o mandasse parar.

A jovem mulher observava-os e sorria, relembrando a sua própria família e amigos em Portugal. Sentia saudades deles, mas ainda não se sentia preparada para voltar. E, apesar de ainda só terem passado algumas semanas, sabia que James era daquelas pessoas que ela queria preservar na sua vida, alguém que se encontra por acaso e que não se quer largar por nada.

E, assim, Margarida decidiu que iria aproveitar aquela fase da sua vida ao máximo, pois sabia que com a sua sorte não iria durar muito.

O segundo mês foi de mudança.

Com a certeza de que ela iria ficar mais tempo na cidade, James insistira para que ela se mudasse para o seu apartamento. Ela insistira que estava bem no hostel em que pernoitava, mas depois de ele lhe ter dito que era mais fácil contar-lhe várias histórias sobre a cidade se não tivessem horários e que Oscar vivia com ele a maior parte do tempo e por isso ela estava a salvo de qualquer avanço que ele pudesse fazer, Margarida acedera, sem esquecer de impor regras.

James encontrava-se divertido com a maneira de ser daquela mulher. Tanto podia namoriscar com ele, como ficava séria numa questão de segundos. Ficara a conhecê-la relativamente bem ao longo daquele primeiro mês. Era-lhe impossível estar longe dela depois daquela primeira noite em que haviam jantado e trocado histórias de vida. Soubera que ela estava em viagem para se encontrar a ela própria e o que realmente queria da vida, que escrevia para o seu blog e que não ia a casa há um ano. Sabia que havia algo mais sobre a razão da sua viagem, algo triste, mas não a pressionara, da mesma forma que ele não lhe contara os seus próprios dramas com a vida.

Porém, com o conhecimento do blog, ele visitara-o e lera as suas palavras, conhecendo-a a um outro nível. Podia ver o quão emotiva podia ser com as várias experiências e pessoas que conhecera nos vários países pelos quais havia passado. Assim, falara com uma das suas amigas e colegas de trabalho, que acabara por falar com Margarida e oferecer-lhe uma proposta de trabalho freelancer, oferecendo-lhe publicidade e formas de dinamizar o blog nas redes sociais, ao escrever sobre Nova York e arredores quanto aos recantos que turistas e naturais não conhecessem e quisessem descobrir. Ficara encantado com a maneira como Margarida sorrira durante o jantar, falando com Amanda sobre as suas ideias e o que a apaixonava em cada local que descobria.

Já o terceiro mês foi de descoberta.

Era sábado, tinham ido até Coney Island, um dos parques com mais atracção turística e Margarida estava ansiosa por explorá-lo.

A partir do momento em que ela lá chegara, a máquina fotográfica ficara em riste e ela divertia-se a tirar fotos às diversões, a casais, crianças, grupos de amigos, utilizando a luz e as cores em seu proveito.

Os dois divertiram-se em algumas das diversões e James fê-la experimentar corn dog, uma das muitas iguarias dos parques de diversões norte-americanos. Margarida gostou, mas preferiu o algodão doce.

A certa altura, a óptica da câmara fixou-se em James que se encontrava encostado às grades que delimitavam o parque e ela capturou-o. Eram poucos os dias em que ele se encontrava mais tenso, sendo simpático com todos, ela notara, mas naquele dia James encontrava-se mais descontraído do que o costume e isso fazia o seu coração palpitar de cada vez que ele a olhava. 

As pequenas conversas, as pequenas brincadeiras, o deixá-lo tirar fotos com a sua máquina - ele comentara que ela finalmente confiava nele o suficiente para o deixar pegar nela, o que lhe valera um empurrão, fazendo-o rir. Apesar do dia estar no fim, aquele som ainda tinia dentro da sua cabeça, o que a deixava com um sorriso aberto nos lábios.

Havia algo que mudara dentro de Margarida naqueles meses desde que o conhecera. Ela deixava-o abraçá-la, tocar-lhe com pequenos gestos que a faziam inspirar e apreciar o breve momento de contacto. E, com isso, ela sentia-se mais aberta, mais descontraída, mais feliz.

Sorriu ao mesmo tempo que ele e apanhou aquele seu sorriso relaxado quando o olhar azul límpido de James a apanhou a observá-lo por trás da câmara.

No momento seguinte tudo mudou e a fotógrafa franziu o sobrolho quando uma mulher se aproximou dele e abraçou-o

- Margarida, esta é a Nina. Uma velha amiga de família. - James explicou quando ela se aproximou, estudando a postura cúmplice dos dois..

- Esta é a portuguesa de quem tanto tenho ouvido falar? - A outra mulher retorquiu, curiosa.

- Prazer. - Margarida ofereceu-lhe um sorriso, apesar de não ter gostado do tom de voz da mulher que pouco mais velha devia ser que ela.

- Devias ler o blog dela. A Margarida está em viagem a documentar várias experiências e locais.

- Parece interessante. - O olhar verde escuro de Nina era perscrutador o que deixou Margarida pouco à vontade. - Por acaso foi bom ter-te encontrado, James. Devíamos falar...

Quando as atenções mudaram, Margarida afastou-se. Não era curiosa, não lhe interessava o que conversavam... Ou assim pensava ela.

- Estás muito calada. - Oscar comentou ao jantar, fitando a jovem mulher, preocupado.

- Deve ser só cansaço. - Margarida sorriu ao tio de James, o seu olhar brevemente captando o de James do outro lado da mesa. Não conseguiu identificar o que lhe transmitia. Apenas a deixou desconfortável.

A viagem de regresso fora feita a conversar sobre o parque de diversões e sobre a festa de aniversário que James estava a preparar em segredo para o avô, a qual Nina estava aparentemente a organizar ficou ela a saber.

- Tiraste muitas fotos?

- Mais do que estava a contar. É realmente um local divertido e colorido. Obrigada pela sugestão.

Oscar assentiu, mudando o olhar para James que encolheu os ombros.

Mais tarde, Margarida estava sentada na cama com o seu portátil, a navegar pela fotos quando alcançou as de James. Inconscientemente, sorriu perante a série que tirara. Gostaria de utilizar alguma no blog, mas não sabia se deveria.

Contra tudo o que imaginara, os dois haviam-se tornado amigos, confidenciando pensamentos a altas horas da noite quando não conseguiam dormir e se encontravam na cozinha. Tinham rido, discutido, aprendido. Mas, ao olhar para as fotos, Margarida sabia que algo se passava dentro dela. Gostava dele, mas seria algo mais? Afinal de contas, ela era mulher, sabia apreciar um homem bonito, mas não era só. Gostava da sua maneira de pensar, de actuar, do seu sorriso, do seu olhar...

- Pára de sonhar acordada... Não vale a pena. - Ela suspirou, relembrando o seu passado doloroso ao desligar o computador.

Decidiu ir até à cozinha e ao passar pela sala de estar, reparou na porta da varanda aberta.

- Também não consegues dormir? - Margarida perguntou ao ver James, sentado no pequeno sofá a fitar a noite estrelada.

- Nem por isso... - Ele bateu no lugar ao lado dele e Margarida acedeu, sentando-se.

A penny for your thoughts?* - Ela acabou por dizer ao fim de algum tempo em silêncio. Quando ele voltou o seu olhar divertido para o dela, Margarida encolheu os ombros. - Desculpa, sempre quis dizer isso.

James gargalhou e o silêncio estendeu-se alguns segundos.

- A Nina... é uma antiga namorada. - Ele confidenciou.

- Não precisas de me contar... - Ela disse num tom suave.

- Somos amigos, certo? - Havia algo no tom de voz de James. O seu olhar era inseguro, Margarida notou e acabou por assentir. - Terminámos em boa relação. Simplesmente, não estava a resultar. Ficamos amigos. Mas... - Ele parou, não sabendo como explicar.

- Têm assuntos por resolver.

James fitou Margarida. Já não era a primeira vez que ficava incrédulo com a maneira como ela conseguia ler o seu pensamento.

- Talvez devessem resolver esses assuntos. - E, ao dizer estas palavras, Margarida soube que estava a cometer um erro. A pontada no seu coração instalou-se.

Quanto a James, não sabia o que pensar. Desde que conhecera Margarida que havia algo que o puxava na sua direcção, mas ela parecia não sentir o mesmo. O que o frustrava por vezes, pois sabia que ela devia sentir mais do que aquilo que demonstrava. Acabou por assentir, silenciando qualquer outro pensamento que poderia ter.

O silêncio estendeu-se por mais alguns minutos, pois nem um nem outro sabia o que mais dizer.

Depois daquela noite, algo mudou na dinâmica da sua amizade. Algo não falado...

Foi aí que Margarida sentiu um pensamento a instalar-se.

O seu tempo terminara em Nova York.

                                                                                 Fim da Segunda Parte!

*Um centavo pelos teus pensamentos.

Até ao próximo post!

A vossa sussurradora...

💖

Ps: Imagem Pinterest.

Músicas que me acompanharam:

Ed Sheeran - New York

MILCK - The World is Unraveling

Fleurie - Monarch

Ruelle - The Other Side

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